Como 'A Esquerda' dobrou a intenção de voto com o TikTok na Alemanha
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Partido alemão esquerdista, dado como acabado, ressurge de forma impressionante com vídeos de sucesso nas redes sociais e sensibilidade para abordar temores econômicos. A estabilidade política na Alemanha está ameaçada?
O partido político alemão "A Esquerda" está vivenciando nas pesquisas para a eleição do Bundestag em 23 de fevereiro um crescimento que pode ser determinante para seu futuro.
Se em meados de dezembro a agremiação alcançava meros 3% das intenções de voto, dois meses depois o resultado dobrou, variando entre 6% e 7%, dependendo do levantamento.
Pode parecer pouco, mas é decisivo: na Alemanha, um partido só tem bancada no Parlamento se obtiver mais de 5% dos votos.
Às vésperas da eleição, há fortes sinais de que a sigla terá uma bancada parlamentar. Algo em que quase ninguém mais acreditava, depois de uma série de derrotas, incluindo as eleições europeias e as três eleições estaduais alemãs de 2024.
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Candidata jovem e carismática
Frescor, carisma, otimismo: Heidi Reichinnek incorpora muito daquilo que faltou ao partido A Esquerda nos anos mais recentes
Jens Krick/Flashpic/picture alliance
Entre os poucos que jamais perderam a confiança no partido está Heidi Reichinnek, que, ao lado de Jan van Aken, forma a dupla de candidatos esquerdistas cabeça de chapa na eleição para o Bundestag.
Essa política de 36 anos incorpora muito daquilo que faltou ao próprio partido nos anos mais recentes: frescor, carisma, otimismo.
Mas sua característica mais marcante é a forte presença nas redes sociais: ela tem mais de meio milhão de seguidores no TikTok. Suas postagens alcançam um público predominantemente jovem, que até há pouco achava A Esquerda um partido sonolento e ultrapassado.
Para Reichinnek estava claro como mudar essa má imagem: com uma ofensiva nas redes sociais. Ela já havia anunciado isso em março de 2024 para os poucos jornalistas que então ainda se interessavam pela sigla.
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Perto do fim
Em outubro de 2023, uma ala em torno da ex-líder de bancada Sahra Wagenknecht havia deixado o partido para fundar o seu próprio, a Aliança Sahra Wagenknecht (BSW).
A Esquerda era vista como uma legenda em extinção, o que o péssimo resultado nas eleições europeias de junho de 2024 parecia confirmar.
Depois, vieram ainda as três derrotas nos estados da Saxônia, da Turíngia e de Brandemburgo – estados do Leste Alemão que historicamente sempre deram bons resultados ao partido, em parte originário do antigo partido comunista da Alemanha Oriental.
A Turíngia é o único estado em que A Esquerda elegeu um governador, Bodo Ramelow, o qual permaneceu no cargo por dez anos, ou dois mandatos, com uma pequena interrupção de algumas semanas.
Diante dos maus resultados, a liderança partidária anunciou sua renúncia, deixando para outros a tarefa de tentar reverter essa tendência descendente sem precedentes.
Oportunidade com o fim da coalizão de governo
Olaf Scholz, chanceler alemão, vai perder cargo com a dissolução do governo
Lisi Niesner/Reuters
Ninguém dentro da sigla tinha uma concepção. Ao fim, a reviravolta repentina resultou de uma combinação da renovação no comando e da estratégia eleitoral, com uma inesperada ajuda do destino.
O fim antecipado da coalizão que sustentava o governo do chanceler federal Olaf Scholz acabou sendo uma oportunidade para A Esquerda renovar seu perfil.
Na campanha eleitoral, o partido optou por priorizar questões que preocupam muitos cidadãos e que, em meio ao debate sobre a imigração, foram deixadas de lado pelos demais concorrentes: moradia e pobreza.
São temas que preocupam principalmente os jovens alemães. Muitos estudam em escolas com condições precárias ou em universidades superlotadas, e penam com o constante aumento dos aluguéis nas grandes cidades e centros universitários.
A esses temores somam-se ainda os causados pela mudança climática e pela guerra na Ucrânia. A Esquerda parece ter acertado em cheio nas preocupações desse grupo, com propostas eleitorais como um teto máximo para os aluguéis, um salário mínimo mais alto e o imposto sobre fortunas.
Mais votado entre os menores de 18 anos
O chanceler do Partido Social Democrata (SPD), Olaf Scholz , o ministro alemão da Economia e do Clima, Robert Habeck, o candidato conservador a chanceler e líder do partido União Democrata Cristã (CDU), Friedrich Merz, e a colíder do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), Alice Weidel, comparecem ao programa de TV 'Quadrell' da RTL e NTV em Berlim
Kay Nietfeld/Pool via REUTERS
E os vídeos de Reichinnek no TikTok parecem ser o meio certo para atingir esse público. Um sinal disso é foi A Esquerda ser o partido mais votado, com quase 21% dos votos, numa eleição simulada pelo Deutscher Bundesjugendring, uma associação de organizações juvenis que representa os interesses desse público perante governos.
Na iniciativa que fomenta a educação política, mais de 166 mil jovens depositaram seu voto em 1.800 postos por toda a Alemanha. Apenas menores de 18 podiam participar. Mesmo que não se trate de uma pesquisa representativa, o resultado chama a atenção pelo contraste com as consultas de intenção de voto, e indica que A Esquerda tem uma forte aceitação entre esse público.
A diretoria ficou, claro, eufórica com o resultado. "A Esquerda não é apenas o partido do momento, mas também o partido do futuro", comentou o secretário-geral Janis Ehling.
Ele aproveitou para destacar o ingresso "sem precedentes” de novos filiados: somente desde a convenção partidária de janeiro, foram mais de 20 mil, totalizando agora o recorde de 81 mil membros. Os novos filiados têm em média 28 anos, reduzindo a idade média para 43.
Durante a campanha eleitoral, até meados de fevereiro os correligionários bateram em mais de meio milhão de portas, relatou a copresidente Ines Schwerdtner.
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